Fri, 26 de February de 2016
Relatórios feitos pela empresa que constrói a hidrelétrica não serão mais a única fonte do Ibama para acompanhar impactos pesqueiros. Compensação adicional pela perda de áreas de pesca deve ser definida pelo órgão.
Após cinco anos de denúncias e protestos contra os prejuízos na pesca decorrentes da instalação da hidrelétrica de Belo Monte (PA), o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) reconheceu que a obra impacta negativamente a atividade na região. Em seminário realizado em Altamira, nos dias 17 e 18 de fevereiro, o órgão comprometeu-se a alterar a metodologia de monitoramento da pesca e a estabelecer medidas adicionais de compensação aos pescadores.
Agora, os relatórios feitos pela Norte Energia, empresa responsável pela obra, não serão mais a única fonte do Ibama para acompanhar os impactos da usina sobre essas populações já que o monitoramento irá incluir a percepção dos pescadores. Entre os compromissos assumidos, está o de complementar os pontos pesqueiros georreferenciados pela Norte Energia com aqueles mapeados e identificados pelos pescadores na publicação Atlas dos Impactos da UHE Belo Monte sobre a pesca. Sugestões de análises complementares foram apresentadas pelos pescadores e acolhidas pelo Ibama para avançar na mensuração dos impactos reconhecidos (saiba mais).
“O Ibama assume a responsabilidade de fazer os estudos complementares, e fará o que seja necessário para tanto”, disse Rodrigo Santos, da diretoria de licenciamento do órgão.
Também acordou-se que o próprio órgão licenciador vai realizar a junção do monitoramento oficial da empresa com as observações dos pescadores.
Os ajustes na metodologia do monitoramento e os debates sobre compensações irão ocorrer no espaço da Comissão da Pesca, fórum previsto no licenciamento e já instituído, mas que antes era coordenado pela Norte Energia. A comissão deve se reunir trimestralmente.
“A novidade para nós é que o Ibama vai assumir a Comissão de Pesca, nos ouvir e
discutir o tamanho do impacto para discutir o tamanho do reparo. Este é o resumo desta reunião”, disse Giacomo Dall´Acqua, presidente da colônia de pesca de Vitória do Xingu, cidade que abriga a casa de força principal da usina.
Entenda
A luminosidade dos canteiros que funcionam 24h, a alteração na turbidez da água e as explosões de dinamite na obra eliminaram áreas de pesca e mudaram a dinâmica pesqueira da região, segundo os pescadores.
Oficialmente, apenas os canteiros de obras e uma pequena faixa de segurança das barragens foram reconhecidos como áreas impraticáveis para a pesca durante a construção da usina. Nenhuma medida de compensação ou mitigação foi definida pela perda dessas áreas. Os pescadores afirmam que a dragagem de ilhas para o fornecimento de areia para a obra e o desmatamento de ilhas e margens também destruíram centenas de outros pontos de pesca. Eles exigem que o órgão ambiental determine uma compensação por isso. Acesse aqui o Atlas dos impactos da UHE de Belo Monte sobre a Pesca.
“Um ponto bastante relevante desta reunião foi o modo como os pescadores articularam seu conhecimento empírico ao conhecimento científico do monitoramento, relacionando-os a alterações sensíveis em seu modo e qualidade de vida”, diz a antropóloga Ana de Francesco, parceira dos pescadores na elaboração do Atlas de impactos de Belo Monte na pesca.
O Ibama concedeu a licença de operação da usina, incluindo como condicionantes a realização de um seminário técnico, com participação dos pescadores da região e de especialistas, para discutir os resultados dos monitoramentos e debater os impactos da usina.
As observações descritas pelos pescadores nunca foram consideradas como dados relevantes para o monitoramento de impactos da Norte Energia. O monitoramento oficial acompanhou apenas a dinâmica de desembarques pesqueiros em escala regional. Isso não permitiu a identificação dos efeitos da construção da usina nas comunidades pesqueiras do entorno da obra.
“Este acontecimento é uma vitória dos pescadores do Xingu. Um marco importante no reconhecimento de impactos e direitos de uma população vulnerável que foi atropelada pelas obras de Belo Monte”, diz André Villas-Bôas, secretário executivo do ISA.